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Mariana Becker: "A vida é mais fácil quando a gente assume que não é perfeito"

A jornalista que fez história nas transmissões de Fórmula 1, sendo a primeira mulher cobrindo automobilismo na televisão brasileira , conta como foi seu início nos Grandes Prêmios, quebra algumas romantizações do seu trabalho, discute o machismo dentro da profissão e revela planos futuros fora das pistas.



Foto: Kym Illman



A jornalista gaúcha Mariana Becker, referência no Jornalismo esportivo, completou 13 anos trabalhando nas coberturas de Fórmula 1 da Rede Globo. Foi no autódromo de Nürburgring (Alemanha) que Mariana cobriu seu primeiro Grande Prêmio. No último fim de semana (11/10), a jornalista voltou ao lugar onde tudo começou. Em entrevista, Mariana Becker relembra o início na Fórmula 1 e relata como é a vida de quem trabalha com automobilismo.


Como foi sua migração da cobertura de futebol para Fórmula 1 ? Como surgiu o convite ?


No jornalismo esportivo, quando você entra numa empresa grande como a Globo, por exemplo, você tem que saber cobrir todos os esportes, e o futebol, pelo fato de ser Brasil, é o cargo chefe. Então, cobria futebol e fazia outros esportes também. Aí o automobilismo pintou porque eu corri três Rallys dos Sertões. O pessoal sabia que eu gostava de carro, de automobilismo e eu falo línguas. Então, eles (a Globo) estavam querendo experimentar ter uma repórter mulher pela primeira vez, cobrindo a Fórmula 1. Aí me chamaram. Eu achei super interessante o desafio. Eu sempre gostei de fazer tudo que ainda não tinha sido feito antes ou que pouca gente tinha feito. Então, eu aceitei na hora e fui.


Ter corrido os Rallys dos Sertões te ajudou a entender a Fórmula 1 ?


A Fórmula 1 e o Rally são completamente diferentes. O que me ajudou foi despertar em mim uma paixão e um conhecimento maior em relação ao automobilismo, porque quando você vê o automobilismo de fora, você não tem a exata noção da quantidade de emoção que tá rolando naquele momento. Então, precisou eu correr um Rally dos Sertões pra ter uma noção ínfima! Do que era aquilo ali. Foi como se abrisse as portas de um esporte que eu gostava, mas não tinha ideia de que podia ser tão interessante assim.


O quanto de Fórmula 1 você sabia, quando foi chamada para trabalhar nas coberturas ?


Olha, eu sabia um pouco mais do que a maioria dos brasileiros, porque todo brasileiro sabe um pouco de Fórmula 1 né, minimamente. Até quem não gosta de Fórmula 1 sabe quem foi Senna, quem foi Piquet, Emerson Fittipaldi. Sabe a cara que tem um Fórmula 1 (carro), sabe que são várias corridas em lugares diferentes, mas eu, como jornalista, tinha que saber mais. Também estudei bastante pra chegar lá, como estudo até hoje. Sempre tem informação nova, tecnologia nova, regra nova, princípios novos. Então, você passa o tempo inteiro estudando.


Como é pra ti esse processo de estudar ?


Eu tenho fontes, algumas fontes que eu confio pra determinados assuntos. Eu converso com elas. Entro em determinados sites pra certos assuntos também pra entender, e leio. Fora isso, tem livros de história que a gente lê pra ter uma ideia.


No último Grande Prêmio de Eifel, na Alemanha, você recebeu uma homenagem pelos 13 anos na Fórmula 1. E foi na Alemanha que tudo começou pra você. Então, gostaria de saber qual foi sua primeira impressão ao pisar no autódromo de Nürburgring ?


Eu estava muito preocupada em render o que esperavam de mim, porque era uma aposta nova da televisão brasileira e da Globo. Eu queria entender tudo, perguntava tudo e queria ter informações relevantes suficientes pra poder fazer meu trabalho. Eu não era uma foca, como a gente fala, uma menina que recém tinha se formado. Eu já tinha uns 10 anos de experiência, não era inexperiente na minha profissão, mas eu queria entender tudo. Então, quando eu pisei tinha essa preocupação de conseguir compreender tudo o que eu tava vendo, a dinâmica daquilo tudo, mas também tinha toda uma história da mítica daquele lugar que trazia muita história da Fórmula 1, história com H ! Aquele lugar marcou a Fórmula 1 de uma maneira muito profunda. Era super perigoso, pegou uma fase da Fórmula1 completamente fascinante. Aquela fase de muito experimento, em que os pilotos colocavam a vida em risco pra correr mais rápido e sabiam que estavam colocando a própria vida em risco, e mesmo assim, topavam. Se você contar desde o início até hoje foram 74 pilotos mortos naquele circuito. Aquilo ali não tem como passar em branco. É como se você fosse ao Maracanã, entendeu ? Você vê a história ali.



Você teve medo de ser “cancelada” pelo público no início, afinal, o Brasil não estava acostumado a ter uma guria passando informações de Fórmula 1 ?


Na época, a gente não tinha uma ferramenta como tem hoje, com as mídias sociais, que você sabe imediatamente a reação de quem tá ali na internet. Na época, pra você ter esse tipo de reação, tinha que fazer pesquisa. Então, eu não tinha muito esse retorno, mas, na verdade, eu pensava muito pouco nisso. Eu pensava mais em mim, pra falar bem a verdade. Eu queria aprender aquilo, eu queria saber fazer aquilo bem. Então, eu tava com o foco mais voltado em mim do que nos outros.


Em algum momento já se sentiu desprezada por algum piloto, pelo fato de ser mulher, nas entrevistas ?


Não ! Em momento algum foi desprezada ou posta de lado pelo fato de ser mulher. Talvez no início, eu não tivesse tanta atenção, porque eu era nova ali. Eles não me conheciam, mas depois de um tempo eu comecei estabelecer minha posição, meu lugar ali e isso ficou pra trás.


Foto: Kym Illman


Em todas as profissões tem um pouco de romantização. Então Fórmula 1 é só glamour ?


Não, claro que não. Não é só glamour, é muito mais glamour do que outros esportes, porque tem muito mais dinheiro. E a parte do status conta na hora de fazer negócio. Pode ser glamour pra quem vai visitar. Agora pra quem vai cobrir e quem vai trabalhar não é mesmo! Eu até tirei uma foto minha nesse último fim de semana (GP de Eifel) fazendo um sanduíche na minha perna, assim, pão, presunto, queijo. Ali na minha coxa em cima do jeans (risos).


Por falar em situação inusitada, qual momento mais bizarro que você já passou, aquele que o pessoal não acredita que acontece na Fórmula 1 ?


Bah ! Têm um monte, eu sou a rainha de acontecer coisas inusitadas! É sempre comigo. E como eu assumo tudo, porque eu acho que faz parte do ser humano, as situações de falha e inusitadas eu faço questão de assumir, porque eu acho que a vida é mais fácil quando a gente assume que não é perfeito. Já teve um milhão de coisas assim, de ficar horas esperando um cara ao vivo e quando ele se vira não fala comigo, e eu fico ali: “Ah, pois é tava esperando, ele não vai falar”. Teve aquela famosa minha que eu cai e rasguei minha calça atrás de cima a baixo. Milhares de situações desse tipo já aconteceram.


Como você leva essa questão da idade na profissão, já que o automobilismo exige estar em movimento o tempo todo ?


Fisicamente, eu não sinto nenhuma diferença assim. Não noto nenhuma diferença pelo fato de estar com 49 anos. Psicologicamente e mentalmente, me sinto cada vez mais preparada, porque com o tempo você vai ficando mais segura, mais afiada. Tudo passa a ser mais possível, coisas que você quando jovem dizia: “Ai, nunca vou poder falar sobre esse assunto” ou “Nunca vou chegar a tal pessoa”. A partir de uma certa experiência, tudo pode, tudo é possível.


Existe alguma pressão na televisão por causa da idade ?


Em relação a televisão, eu acho que tem assim uma cobrança, mas é uma coisa meio tácita, meio silenciosa sabe, pra você ser eternamente jovem. Eu volto naquela história de que a gente não é perfeito, não dá pra você ser jovem e “gatinha”, e ter a mesma experiência de uma mulher ou um homem que viveu já 20 anos de profissão. Dificilmente uma pessoa “bonitinha” bem jovem vai ter a segurança ou a cultura. Eu, quando era mais jovem, não tinha a mesma cultura, a mesma segurança que eu tenho hoje. Então, você tem que como empresa escolher o que você quer: só rostos mais bonitinhos e mais jovens inexperientes ou se você quer a experiência. Eu acho que o ideal é você ter as duas coisas, porque o cara ou a menina mais jovem vai trazer a novidade, o interesse daquela geração. E o pessoal mais velho vai ter outras coisas pra trazer. Foi assim que eu via muito na Globo, quando eu cheguei. Eu era muito menina e tinha gente mais velha pra dar um norte, uma orientação. O que era bobagem; o que era sério; quando a gente tinha que baixar a bola; quando a gente tinha que ter coragem. O ideal é ter uma mistura dos dois, ambos são importantes.


Trabalhar na Fórmula 1 é também abrir mão de estar próximo da família. Como você lida com isso ?


Eu não tenho filhos, então eu não tive que passar por isso. Acho que se eu tivesse ia ser muito complicado, porque eu não gostaria de passar aniversários do meu filho ou da minha filha longe, perder momentos importantes da vida deles. A gente passa muito tempo viajando. O que acontece com a maioria das pessoas que têm família é que elas se dividem: as mulheres que têm filhos não fazem todos os Grandes Prêmios. Dividem muito o cuidado com os pais e os homens dividem muito o cuidado com as mães. Então é tipo: “Segura a onda aí, enquanto eu to aqui”.


Você acredita que poucas mulheres trabalham na Fórmula 1 por conta da questão familiar ?


Claro que sim ! Certamente esse é um fator que inibe. E é aí que mora o machismo, porque inibe por um lado natural da própria mulher querer ficar mais em casa, mas inibe dos chefes que estão pensando em colocar você em uma posição x ou y dizer: “Olha, ela não vai fazer porque tem filho ” ou “Ela não vai dar conta porque tem filho”. Acho isso uma coisa gravíssima ! Não posso falar muito mais disso, porque não sou mãe, não tenho o conhecimento da causa, mas eu vejo amigas que têm filhos e passam por isso. Comigo a situação já foi de eu dizer: “Olha to querendo fazer tal coisa” e já ouvi de chefe dizer pra mim: “Ah, mas você tem família, você é casada” e eu: “Que tem a haver uma coisa com a outra ?” Ainda mais isso! Porque você é casada ! Se tivessem me dito: “Olha Mariana não dá pra você ir fazer guerra porque você tem filho pequeno”. Eu já ia achar uma intromissão, porque quem decide isso sou eu, agora porque eu sou casada ? Poh ! Que papo... Você não pode ter alguém decidindo por você, partindo do princípio dele !



Foto: Arquivo Pessoal


Tem planos futuros fora dos autódromos ?


Por enquanto, não tem nada muito concreto. Eu gostaria de ter um lugar onde eu possa fazer entrevistas. Eu tenho um espaço no meu instagram na quinta-feira que se chama: “Guria boa essa”, que eu sempre pego o exemplo de um mulher que foi revolucionária, interessante, pra falar em live ou eu contar a história dela. Isso é uma coisa que me dá muito prazer. Antes disso, durante a pandemia mais forte, eu fazia lives entrevistando personalidades interessantes que eu achava da Fórmula 1. Fiz grandes entrevistas (Bruno Senna, Claire Williams, Nelson Piquet são alguns dos entrevistados). Então é um espaço que eu gostaria de ter. Fora o jornalismo esportivo, eu gosto muito de bicho, sou fascinada por documentários que eu vejo! Eu penso, às vezes, em tirar um ano sabático e ir acompanhar a produção de um grande documentário, da Discovery Channel, da National Geographic, alguma coisa assim, pra ver como funciona, porque eu me formei e fui trabalhar na Globo direto. Então, eu não tive essas experiências, de trabalhar com outras coisas.


Nesses 13 anos, qual foi a maior lição que a Fórmula 1 te deu ?


Foi, na verdade, um reforço de algo que eu já pensava, e não sabia que eu pensava: se a tua vontade de fazer aquilo, a tua paixão por aquilo, é mais forte, é grande, nada é impedimento, tudo é menor! O machismo é menor, às dificuldades que as pessoas põem no teu caminho, os obstáculos que os caras dizem: “Olha, daqui você não vai passar”, “Essa matéria você nunca vai fazer”, “Em tal jornal você nunca vai trabalhar”. Isso tudo é menor, porque a gente vai batendo a cabeça no muro até furar (risos).

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